Histórias que Inspiram reúne atletas paralímpicos e reforça papel da nova Secretaria da Pessoa com Deficiência em Mauá
Vivências mostram como apoio familiar, esporte e políticas públicas mudam vidas e desafiam a lógica do “coitadismo”
Criada em 2025, a Secretaria de Proteção e Defesa da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de Mauá começa a tirar do papel uma agenda que vai além da inclusão no discurso: transmitir conhecimento, promover debates públicos e pautar direitos. Uma das provas concretas dessa atuação foi mais uma edição do “Histórias que Inspiram”, realizada na quarta-feira (22), no CEU das Artes, dentro do calendário de conscientização do mês de outubro, que contempla o Dia Mundial da Paralisia Cerebral (6/10), o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Física (11/10) e o Dia da Mielomeningocele e Hidrocefalia (25/10).
A mesa-redonda reuniu quatro convidados com trajetórias no esporte paralímpico: Raissa Machado (lançadora de dardo, bicampeã mundial e medalhista paralímpica de prata); Sérgio Veiga (capitão da seleção brasileira sub-23 de basquete em cadeira de rodas); Mylena Andrade (atleta de tênis de mesa paralímpico); e Henrique Caetano (atletismo, com trajetória construída com forte apoio familiar). Diante do público, eles converteram biografias esportivas em argumento vivo sobre inclusão, cidadania e enfrentamento ao preconceito.
O evento contou com a presença de autoridades, como o vice-prefeito Juiz João Veríssimo, o secretário municipal de Proteção e Defesa da Pessoa com Deficiência, Samuel Ferreira dos Santos "Samuel Enfermeiro", do secretário de Esportes e Lazer, Marcio Bertucci, além de vereadores. A plateia era composta por alunos da Escola Estadual Iracema Crem, da APAE e servidores públicos.
A tradução para LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) ficou a cargo das irmãs Carol e Larissa.
“Eu não sou coitada. Eu só tenho uma história diferente”
Raissa — recordista, dona de duas medalhas de prata paralímpicas, cinco medalhas em Mundiais e pódios em Parapan — foi a fala mais marcante da tarde. Em tom espontâneo, ela lembrou a origem humilde, a transformação proporcionada pelo esporte e o compromisso em não perder o lugar de onde veio.
“O esporte não só salvou minha vida — ele me mostrou que eu posso ser o que eu quiser. Ninguém aqui é coitada. Eu sou igual a vocês, só tenho uma história diferente.”
Ela defendeu que o esporte é mais do que medalha: é reparação social, é porta aberta — para ela, para a mãe que “limpava casas” e hoje vive com dignidade, e para tantas outras mulheres que a veem como referência.
Carreira que começa aos 8 anos
Sérgio Veiga contou que a própria família deixou Curitiba para que ele pudesse acessar o esporte em São Paulo. Começou com a natação, conheceu o basquete em uma feira voltada à reabilitação (Reatech) e nunca mais saiu da quadra. Hoje, capitão da seleção sub-23, ele representa o país em competições internacionais. A história, narra ele, é o exemplo da soma de estrutura pública, família e persistência.
Atravessar dor e limite
Henrique Caetano falou menos de pódio e mais de base. Reforçou o papel da mãe, Albertina, que criou três filhos sozinha e não permitiu que ele desistisse. Já Mylena Andrade relatou que avançou no tênis de mesa graças ao apoio dos pais e do irmão — que reorganizava a própria rotina para que ela pudesse treinar — até que complicações físicas decorrentes da condição obrigaram uma pausa. Histórias diferentes, mesma constante: a presença de alguém segurando a porta aberta.
O depoimento da gerente da Secretaria Dayuri Priolean, da Proteção e Defesa da Pessoa com Deficiência, também emocionou o público. Ela relembrou a luta da própria mãe, que perdeu um filho com deficiência, e contou como essa história foi decisiva para que ela encontrasse força e apoio no cuidado com o seu filho, que tem Mielomeningocele e TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Além de destacar o papel da família, Dayuri ressaltou a importância do esporte na vida dessas crianças. “O esporte é extremamente importante na evolução das crianças com deficiência. Ele proporciona mais autonomia, contribui para a saúde mental e fortalece a autoestima. A vida de uma criança com deficiência não pode ser focada apenas em terapia — elas precisam de esporte, lazer e de se sentirem incluídas”, afirmou.
Não é palestra motivacional — é política pública com gente dentro
Para o secretário, Samuel Enfermeiro, “iniciativas como o ‘Histórias que Inspiram’ cumprem dupla função: informam e deslocam a lógica do coitadismo” que ainda pesa sobre pessoas com deficiência. Ao colocar a palavra na boca de quem vive as barreiras no corpo — no transporte, no esporte, na escola, no atendimento de saúde — o debate deixa de ser abstrato e volta ao ponto certo: não se trata de superação individual apenas, mas de projeto coletivo, de Estado e de cidade”.
Com a secretaria recém-instituída, Mauá sinaliza que quer fazer desse tipo de encontro uma política perene — para que ouvir, registrar, ajustar, corrigir e avançar se tornem rotina institucional, e não exceção de calendário.











